— Vamos lá, baby, seja a garota indecente que eu gostaria de ser! Você está em Vegas e não no Vaticano! A gargalhada foi inevitável, o conselho era bastante tentador. — Você nem ao menos é uma garota, Austin — retruquei pelo viva-voz do smartphone. — Por um erro de digitação no formulário divino! Algum anjo de ressaca assinalou o “masculino” por engano na hora de preencher minha ficha de cadastro e aqui estou! Oitenta quilos de purpurina em uma embalagem de testosterona. Balancei a cabeça em estado de negação. Até imaginei Austin de salto quinze dançando Single Lady, da sua idolatrada Queen B. — Mantenha o foco, querido. Cuide de sua missão — lembrei-o. A risada maléfica ao estilo glamoroso Paola Bracho, em A Usurpadora, era digna de Oscar. Austin era um perfeito reprodutor de sons maquiavélicos novelísticos. — Está no papo, baby! Abrir as janelas do apartamento para arejar, assim como a porta de todos os seus armários, principalmente o guarda-roupa. Alimentar a bola de pelo que pensa que é o rei soberano do seu sofá, ao qual você chama carinhosamente de, oh não, eu esqueci, o seu gato não tem um nome fofo, porque o seu gato não tem um nome. Sua insensível! — Seja menos, Austin! Seja menos! — Ok! Eu acho que me empolguei bancando a assistente pessoal. Sorri, como eu amava aquele cara. — E eu lá tenho condições financeiras para ter uma assistente pessoal? Estar em Las Vegas não são as férias que tanto desejei, benzinho. Estou aqui a trabalho. — Não, não! Benzinha! Está aí porque seu chefe simplesmente beija o chão que você pisa. — Deixe de ser melodramático, garoto purpurina, meu chefe é uma ótima pessoa e estou aqui porque ele precisa de mim. — Protesto negado! — gritou, escandalosamente. — Todo mundo sabe que o Sr. Irwin arrasta a maior asa para cima de você. — Austin! Chega! Preciso desligar, acompanharei o Sr. Irwin a um jantar de negócios. Ele quer que eu aprenda observando essas reuniões. Não achei meu diploma de administração no lixo para me sujeitar a ir para a cama do chefe para subir na vida. Austin era maravilhoso, mas extrapolava às vezes. Meu chefe, Sr. Ethan Irwin, era um cavalheiro. Iniciei meu trabalho em sua holding há seis anos, quando era uma jovem estudante de administração e garanti minha vaga de estagiária a fim de elaborar minha tese de conclusão de curso. Atualmente, era sua assistente pessoal. Irwin. Ele costumava dizer que um dia eu seria a grande mandachuva na Holding Irwin, pois ele estava ficando velho demais. Palavras dele, não minhas. O Sr. Irwin jamais me assediou. Sabia que existiam rumores maldosos sobre eu ser amante do chefe e usar de meus atributos femininos para chegar onde estava. Eu era praticamente o braço direito de um dos empresários mais poderosos e influentes do estado da Califórnia, aos vinte e sete anos de idade. — Selina, mil perdões, minha diva! — Choramingou Austin, arrependido. — Eu não quis insinuar nada, baby. Foi um comentário esdrúxulo, vamos arquivar esta conversa, tudo bem? Meu coração aquiesceu, sabia que Austin era um amigo fiel e acreditava que jamais me envolveria com o Sr. Irwin. — Ok, conversa arquivada. Eu preciso ir. Cuide do gato e não deixe meu apartamento cheirar a mofo. Eu amo você, purpurina. — Amo você, mulher gato. Minha suíte no Caesars Palace não era a mais cara, mesmo que o Sr. Irwin insistisse para que eu reservasse duas suítes presidenciais, achei que não seria correto. Ele estava acostumado ao luxo, era justo que dormisse em um dos melhores quartos do famoso hotel, afinal, o dinheiro era dele. Eu jamais aceitaria tal regalia, meu salário não cobriria minhas despesas de hospedagem em suítes presidenciais, era apenas uma assistente, não uma vice-presidente. De qualquer maneira, meu quarto clássico era bastante confortável e bonito. A reunião foi um tédio, mas bastante produtiva. Acordos, cláusulas, contratos e mais acordos. Observei tudo atentamente, fiz anotações importantes e dei algumas sugestões quando meu nome foi solicitado pelo Sr. Irwin. O que mais me incomodava neste tipo de reunião, principalmente em cidades como Las Vegas, era que alguns empresários costumavam levar acompanhantes para os almoços e jantares de negócios. Não seria exatamente um problema, se essas mulheres não estivessem sendo pagas para estarem ali, não como eu, que era paga por ser funcionária da empresa, elas eram acompanhantes de luxo. Mesmo com minha roupa discreta, sabia que aos olhos dos outros, eu era apenas aquela que pagava um boquete ajoelhada no escritório, enquanto meu chefe assinava contratos milionários. Não era verdade, mas já estava cansada de tentar provar para todos que minha índole não permitia esse tipo de atitude. Talvez Austin tivesse razão, deveria extravasar e aproveitar minha estadia na cidade do pecado e cometer alguma loucura. Nada tão grave quanto casar com um estranho na frente do Elvis Presley, ou perder a grana que não tenho nas mesas de pôquer, mas os cassinos estavam cheios de possibilidades e seria minha última noite em Sin City. Eu tinha que escrever um capítulo inédito na página da minha vida. Um capítulo daqueles que faria qualquer mulher ficar de queixo caído, ou de calcinha molhada se lessem o que eu havia vivido. Lembrei do sujeito que me encarava no restaurante, em uma das mesas perto da nossa. Ele não disfarçava o desejo em seus olhos, cobiçava-me com luxúria e intimidava apenas com seu sorriso diabólico. Sim, aquele homem era o demônio disfarçado de gente, o pecado em pessoa, prestes a me desnudar com os olhos e me fazer desfalecer com seu sorriso. Foi preciso um esforço sobre-humano para me manter concentrada na reunião, mesmo assim, em determinado momento, ao sentir o suor escorrer por minha nuca, tive que pedir licença aos demais e ir ao toalete me refrescar. Quando é que um olhar poderia ser tão quente a ponto de me fazer derreter? Nunca fui do tipo romântica, sequer imaginava um final feliz com alguém. Um relacionamento estável com apelidos fofos e buquê de flores no dia dos namorados? Não! Isso, deixava para as novelas na televisão, mas jamais imaginei que um homem pudesse me entorpecer de desejo e curiosidade apenas com o olhar.
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