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Foto do escritorBia Carvalho

Discussão #7 - A Sina das Mocinhas

Sei que vocês estão acostumados comigo aparecendo aqui no blog da Qualis às sextas-feiras, falando sobre Dicas de Ortografia, porém, ontem me deparei estava aqui divagando, enquanto observava algumas coisas por esta internet afora e propus a mim mesma uma discussão que acredito ser relevante. Sendo assim, pedi à Qualis o espaço e decidi postá-la aqui.

A pergunta que me veio em mente foi: "Será que não julgamos demais as nossas mocinhas?"


Ela surgiu de um comentário que recebi para um dos meus livros, onde a leitora elogiava a obra, mas detonava a minha mocinha, dizendo que ela era (parafraseando): "Chata de doer e muito teimosa por não dar logo uma chance ao mocinho".


Bem, a mocinha em questão passa por inúmeras provações por conta de tal mocinho... Ela faz de um tudo por ele e realmente demora a lhe dar uma chance, simplesmente porque ele representa perigo para ela e porque omite verdades, esconde segredos.


Deixando meu livro de lado por alguns instantes — até porque ninguém está aqui para fazer propaganda —, esse comentário me fez refletir que é muito constante que eu veja resenhas e descrições de mocinhas que batem com o que acabei de falar. Muitas vezes nossas protagonistas passam por perrengues inimagináveis, mas, ainda assim, os leitores exigem que elas se mantenham fortes, que chorem pouco, que se tornem guerreiras de um dia para o outro e que ainda aceitem qualquer deslize de seus heróis, afinal, mocinhos bonitos sempre podem se redimir de qualquer coisa, porque são... bem... bonitos, têm pegada, fala mansa, são rhykos e dão presentes caros (é, talvez eu esteja exagerando aqui, mas não é uma total mentira, já vi esses adjetivos serem considerados suficientes por várias leitoras).


Essa minha indignação não vem de hoje, aliás. Vem de algum tempo, quando li Instrumentos Mortais, de Cassandra Clare, na época da febre, e fui comentá-lo com algumas amigas. Todas, sem exceção, tinham um ódio profundo pela protagonista Clary. Ok, ela realmente tem seus momentos levemente irritantes, mas quando eu fui perguntar o porquê, todas responderam da mesma forma: "Ah, ela chora muito".


Gente! A bichinha perde a mãe, que desaparece depois de ser sugada do nada no mundo (só isso já seria motivo para eu ficar chorando por semanas), e ainda descobre que faz parte de um universo assustador, com demônios, vampiros, caçadores de sombras e etc. Todos exigem que ela imediatamente vire a justiceira suicida e comece a lutar, sem ter pegado sequer uma faquinha de cozinha para se defender de uma ratazana na vida.


O que você faria, se fosse você, na vida real? Mas eu estou perguntando de verdade, não o que você GOSTARIA de fazer. Qual seria a sua reação ao passar por tais percalços? Garanto que ficaria igualmente assustada e também choraria um bocado.


Aprofundando a reflexão, isso começou a me incomodar em um nível um pouco menos fantasioso e me levou a fazer paralelos com a vida real. A forma como nossas mocinhas literárias são julgadas é muito semelhante à maneira como as mulheres em geral são vistas todos os dias. Precisamos trabalhar fora, arrumar a cara, cuidar de filhos, estarmos lindas, magras, maquiadas, com cabelos perfeitos, cheirosas e ainda dispostas ao sexo. Se choramos muito, somos chatas. Se reclamamos muito, somos loucas. Se não damos conta de tudo, somos incompetentes. Se nos atrasamos, somos irresponsáveis. Se negamos sair com um homem, estamos nos fazendo de difíceis. Se insistimos em não querermos algo, somos teimosas. Nós nunca sabemos o que é melhor para nós mesmas. Nossas opiniões nunca são valorizadas cem por cento.


E sabe o que mais me assusta? A maioria das pessoas que julga nossas mocinhas literárias são MULHERES. O que me faz pensar em uma pequena palavrinha que vem sido esquecida ultimamente, mas que é tão importante: EMPATIA. Colocar-se no lugar do outro. Aceitar sem julgar.


Essa pode parecer uma discussão muito superficial e tola, porque eu estou me referindo a seres humanos de papel, mas vale e muito para a vida real. Mocinhos se redimem o tempo todo. Mesmo se estupram, agridem, controlam, ferem, magoam, se fazem cagadas... Mocinhas são implacavelmente julgadas por serem sensíveis, por serem frágeis, por amarem de mais ou de menos, por negarem, por fazerem escolhas diferentes das que as leitoras fariam, por brigarem. Se uma mocinha faz algo que magoa o herói, ela sempre será vista como a vadia sem coração, e as leitoras irão decidir que jamais gostarão dela. Cadê a chance de redenção neste caso?


Bem, gente, acho que a reflexão já ficou longa demais, mas era um desabafo que eu precisava fazer. Tenha mais empatia por suas mocinhas. Analise-as, estude suas personalidades, coloque-se no lugar delas. Pratique a sororidade mesmo com personagens de ficção, porque é um bom exercício para analisarmos a forma como estamos julgando ou não pessoas da vida real.


 

BIA CARVALHO tem 31 anos, é carioca e autora da Trilogia das Cartas, cujos direitos foram adquiridos para publicação na Argentina, pela Ed. DeCiutiis, e do BestSeller da Amazon, Horas Noturnas. Em 2016, seu conto Ao Anoitecer foi publicado na antologia O Livro Delas, pela Editora Rocco, oriunda do projeto LitGirls Br.

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